MINHAS (DES)HUMANIDADES

Já ri até a barriga doer de alegria gratuita, mas já acordei de olhos inchados por dormir chorando de tristeza

Já me escondi da minha mãe para não tomar injeção, e de mim mesma para não passar vergonha

Já doei o que vim a precisar, já comprei o que não me era necessário

Já engoli muitos sapos, engasguei com outros, visando salvaguardar a biodiversidade no pântano

Já tive um amor que dispensei, não tive um que desejei

Conquistei amores que valorizo, que me valorizam, presentes que nem sei se sempre mereço

Já fiquei feliz com infelicidade de quem me magoou, já magoei quem me quis bem

Já acreditei em mentiras absurdas e duvidei de verdades verdadeiras

Já fiz promessas que não cumpri, já realizei além do que sequer prometi

Já tive muito medo de morrer, já quis morrer de tanto medo

Já tive raiva e medo de quem amo mais daqueles que não me dizem nada, já causei medos e raivas idem

Já me senti a verdadeira cereja do bolo por agradar e um grão de areia no deserto por não ser aceita

Já me perdi entre muitas escolhas tanto quanto por falta de opção

Já quis ir para a África salvar o mundo, não pude salvar um mundo ao meu lado

Já pensei que meu mundo precisava ser salvo, já quis salvar quem não precisava de mim

Já sonhei muito com o impossível, tendo dificuldade até com o possível

Já tive a vida ameaçada por arma na cabeça por desconhecido,

Mas tive mais medo quando fui ameaçada por palavras e olhares de quem conheço

Já fiz coisas das quais me arrependo, não fiz muito que gostaria ter feito

Já guardei segredos por décadas, já pedi segredos que foram revelados por outros

Já confiei, desconfiei, mas tem coisas que só eu sei de mim mesma

Já chorei dias e noites por uma amizade perdida, a ponto do meu marido intervir, e não me importei por outras que se foram sem dar notícia

Trago lembranças doídas e felizes em mim, mas também devo ser lembrança doída ou feliz na vida de alguém

Já deixei de dizer “te amo” por medo ou vergonha

Mas nunca disse amar sem ter verdadeiramente amado

Assim, entre tantas contradições, vou vivendo e aprendendo,

Levada por minhas (des)humanidades…

Alda M S Santos