FERIDA
Aquela ferida que todos carregamos
Causada por um machucado doloroso
Relíquia de um tombo inesquecível
De bicicleta, da escada, do galho de uma árvore
De um sonho, do alto de uma esperança, de uma ilusão
Escorregando de um colo ou despencando de um coração qualquer
Ferida que está disfarçada, coberta por uma cicatriz
Para não chamar a atenção dos curiosos
Para não assustar os mais sensíveis
Para que se evite cutucar
Para que não sangre tudo outra vez
Para que cure, se cure, se cuide
Cicatrizes servem para nos lembrar que sobrevivemos
E que saudade é a bonita cicatriz da vida que doeu, sangrou
Que nos ensinou pela alegria e pela dor
Que ela pode ser bela
Mesmo com nossos machucados…
Alda M S Santos
O TEMPO CURA?
O tempo não cura nada
Ele passa, passa, e algumas coisas ficam mais leves
Ele, sabiamente, nos permite cobrir as feridas
Com uma grossa cicatriz de proteção
Perdem o tom vermelho brilhante
Tornam-se mais rosadas até quase parecerem sumir
E ela fica ali para ser vista e relembrada
Algumas cicatrizes todos podem ver
Outras, são muito internas
E só quem as possui tem acesso
Ficam escondidas atrás de sorrisos
De uma alma que se doa, de mãos que trabalham
O tempo não cura!
O tempo nos ensina a lidar com o que não tem cura
O tempo nos permite olhar para as cicatrizes
E retirar dali aprendizado em meio ao que já foi dor aguda
O tempo pode até nos ajudar
A fazer de uma cicatriz algo novo, útil e belo
Uma obra de arte que merece ser vista por todos
Cada qual lida do seu jeito
Com as feridas, o tempo e suas cicatrizes
Tornando-os aliados ou adversários…
Alda M S Santos
CACOS DE HISTÓRIAS
Tem histórias que são tão bonitas
Tão verdadeiras, tão intensas, tão profundas
Que até seus cacos são arredondados, não ferem
Acariciam…
Tem histórias que são tão tristes
Tão amedrontadoras, tão surreais
Que mesmo inteiras ferem, cortam, machucam, sangram
Agonizam…
Nosso trabalho é descartar os cacos
Ou ir aparando os mais pontiagudos para não sermos feridos de morte
Quando não for possível jogá-los no lixo…
Nossas vidas viram de uma página para outra
De um capítulo para outro
E vamos interagindo entre eles
Bem ou mal
Dando nosso melhor, leais, sinceros, verdadeiros
Até o epílogo…
Alda M S Santos
GOLPES
Golpes: ensinamentos que só compreenderemos
A importância, o valor, a necessidade,
Quando nos levantarmos e olharmos para trás,
E vermos que, apesar de terem machucado muito e não doerem mais,
Nos tornaram quem somos:
Mais fortes, mais resistentes, mais sábios,
E, quem sabe, até mais felizes?
Enquanto isso, é se firmar e aguardar,
A sucessão de golpes se esgotar,
Tal qual flor que tudo recebe e sempre volta a brotar, a encantar…
Alda M S Santos
NÃO HÁ VACINAS!
Entre tantos os machucados e feridas
Das mais superficiais até as mais profundas
Daquelas que ficam secas até as que mais sangram
Das que causam dor aguda ou crônica
Que precisam suturas ou anestesias
Que causam pranto ou, num canto, solidão
Além do medo de se machucar novamente
Entre todos eles, o machucado mais doloroso
A ferida mais difícil de cicatrizar
Que demanda mais tempo e coragem
É aquela causada pelo (des) amor
Simplesmente, porque é de onde a gente menos espera o golpe
Pega-nos desprevenidos, distraídos, confiantes.
Aí atinge fundo, rasga, mutila, deixa marcas, cicatrizes.
Mas quando se convalesce, se recupera, fica mais forte
E recomeça tudo… Novos riscos!
Contra o (des)amor não há vacinas!
Alda M S Santos
PROCESSO DE CURA
Todos sabemos o quanto dói uma ferida aberta
Um mal ativo, em fase crítica, aguda.
Todo cuidado é pouco para evitar uma patologia permanente.
Precisamos limpar, fazer curativos, trocá-los
Usar cicatrizantes, anti-inflamatórios, antibióticos…
Nessa fase vai doer muito, sangrar.
Não podemos ser masoquistas e ficar cutucando.
Serão necessários técnica e perícia ao tocar.
Depois seca, cicatriza, fica uma marca e apenas uma lembrança.
Porém, se não se passar por esse processo de cura,
O mal pode se tornar crônico e sofrermos com ele a vida toda.
Com os males emocionais dá-se o mesmo.
Ferida aberta na alma não se mexe, se trata.
Com medicamentos ora suaves, ora fortes,
Com amor, com carinho, com perseverança.
Com amigos, com família, com fé.
Leve o tempo que levar,
As cicatrizes deixadas nos lembrarão que superamos.
Pode ser que se torne um mal crônico
Daqueles que tenhamos que aprender a conviver
Como uma hipertensão ou uma saudade
Que exige tratamento de controle a vida toda.
Vez ou outra se tornam ativos, agudos e exigem de nós força
E medidas à altura.
Assim são os males crônicos.
Assim é a vida…
Alda M S Santos
CICATRIZES
Sempre tidas como feias, indesejadas, até mesmo repulsivas, as cicatrizes podem despertar vários sentimentos. Tudo vai depender do nosso olhar.
As cicatrizes são o que sobra após a cura de uma ferida que outrora esteve aberta, machucou, sangrou, doeu.
Receptivos, aceitamos os cuidados, carinhos, lavamos, colocamos antissépticos, curativos, pomadas. Aguardamos a cura.
Ela vem lentamente, até sobrar aquela marca mais forte ou uma simples linha tênue.
Posteriormente, olharemos para ela e lembraremos de algo superado.
Por que agimos diferente quando a ferida é no coração, na alma?
Ela machuca, dói, sangra, gera lágrimas, tristeza, decepção, isolamento, até mesmo revolta.
Por que nesses casos, diferentemente da ferida no corpo, nem sempre aceitamos ajuda, queremos resolver sozinhos, forçar e apressar a cura, ou ficamos cutucando a ferida, remoendo, dificultando a cicatrização?
Quando a ferida for na alma, como no corpo, precisamos aguardar a cura vir aos poucos, de dentro para fora. Forçar a cicatrização de fora para dentro a tornará frágil e com risco de reabrir. Ferida reaberta é mais difícil de curar. E deixará uma cicatriz bem maior.
Além disso, é fundamental que aceitemos as “pomadas”, os “curativos”, os “antissépticos” dos amigos. Claro que respeitando nossos limites e necessidade de tempo conosco mesmos.
Sempre é valioso lembrar que feridas e cicatrizes formam-se apenas em quem correu, subiu, caiu, amou, se arriscou, se decepcionou.
Cicatrizes na pele são pequenas marcas…
Cicatrizes da alma são as saudades…
Ambas devem ser vistas como marcas de quem viveu e venceu…
Alda M S Santos