QUEM CUIDA DE MIM?
Quem cuida de mim?
Há dias em que nos sentimos “abandonados”.
Cercados de pessoas, nos sentimos sós.
Queremos um abraço daqueles que têm mais que braços, mais que apertos, mais que calor.
Abraços com laços que enlacem nossa alma.
Abraços que digam “estou aqui para o que der e vier”.
Nada parece haver que justifique tal abandono.
Mas a sensação é persistente.
Buscamos na mente, no coração, na alma os “abraços” que queremos.
Uma oração, sempre bem vinda, sempre traz luz.
“Eu estarei contigo todos os dias até o fim
dos tempos”!
Sinto-me abraçada e protegida!
E o dia começa…
Alda M S Santos
SOS CORAÇÃO
O sol está alto no céu
E aquilo ali é uma cama
E está “feita” onde todos transitam
Cobertores embolados, papelões rasgados
Alguns ainda dormem
Sujos, barbados, vestidos da cor das ruas
Às vezes uma sacola com “tudo” o que têm na vida
Serve a eles de travesseiro
Guardam outras poucas peças de roupas
Talvez um pente ou uma escova de dentes
Um espelho quebrado, será?
Uma fotografia de outros tempos
Mas aquilo é uma cama!
Ali no meio do caminho
Exposta a todas as intempéries
Logo vai escurecer e esfriar, é inverno
Como pode um ser humano viver assim?
Dependentes da generosidade alheia
Será que levam ao pé da letra a passagem bíblica (Mt 6, 25-34)
Das aves do céu e dos lírios do campo
Que Deus alimenta, veste e cuida sempre?
Ou já em nada mais creem?
São muitas as histórias
São imigrantes que vieram e não encontraram emprego
Usuários de entorpecentes perdidos de si mesmos
Pessoas brigadas com familiares
Doentes da mente, do corpo, da alma…
Mas são pessoas!
E nós que temos também nossa cama
Nosso lar, nossas coisas, nossas conquistas
Até que ponto podemos ser considerados humanos
Se nada disso nos sensibilizar
Não nos fizer agir para isso tudo amenizar?
A humanidade pede socorro
SOS CORAÇÃO!
Alda M S Santos
E AS LÁGRIMAS SECARAM…
Sentada num canto ela dizia que já sofreu demais
Tanto chorou, e chorou, que hoje,
Por maior que fosse a dor, não tinha o alívio das lágrimas
Secaram todas, afirmava
Décadas e décadas vividas, evidenciadas em cada ruga
No corpo frágil que parecia muito leve
Para carregar tamanho peso…
Que será que carrega a pesar tanto?
Algo que fez, que deixou de fazer, ou permitiu que fizessem consigo?
Males que causou aos outros, a si mesma, arrependimentos,
Sonhos que não viveu, impediu que outros vivessem
Caminhos que não trilhou, portas que arrombou
Lições que não aprendeu ou não ensinou
Ou saudades, alegrias perdidas, não mais vividas?
Observo os mais velhos, e considero a sabedoria da natureza
Ao ir limitando a memória dos idosos
Um modo de poupar energia
E aliviar um pouco o sofrimento daquilo que não tem mais jeito,
Pois lágrimas e sorrisos, ambos podem fazer bem ou mal
Dependendo do modo que se olhe para eles,
E da expectativa que se tenha pela frente…
Alda M S Santos
COMO DETERMINAR?
Por quanto tempo certas perdas irão doer
Por quanto tempo algumas pessoas farão falta
Como determinar?
Por quanto tempo elas serão lembradas sob lágrimas
Quando a lembrança será apenas saudade boa?
Como determinar?
Depende do tempo que se passou juntos
Da profundidade do que foi vivido, das marcas deixadas?
Como determinar?
Doerá menos se não restaram dívidas a quitar
Se não ficaram mágoas ou algo a perdoar?
Como determinar?
Por quanto tempo quem ficou para trás
Ainda se sentirá sem chão ou perdido
Como determinar?
Há como calcular o tempo de cura?
Em quanto tempo os vazios deixados serão novamente preenchidos?
Tantas pessoas se vão todos os dias
Tantas pessoas ficam para trás
Tantas dores que não sabemos se têm fim
Ou se são apenas anestesiadas, amortizadas
Tantas perdas, tantas mortes
Até quando quem as sofreu
Irá querer voltar no tempo para ter de volta quem se foi,
Para consertar algo?
Como determinar?
A vida é um piscar de olhos
Aproveitemos esse intervalo antes do cerrar definitivo das pálpebras!
Alda M S Santos
Instituto Inhotim -Brumadinho
VOCÊ É FORTE!
“Você é forte! Supera!”
Já ouvi isso muitas vezes ao longo da vida
Tantas vezes sinto-me tão frágil
Mas a força que temos só se manifesta quando exigida
E ela existe mesmo quando as lágrimas caem sem cessar
Ainda que o medo assombre, que os pesadelos atormentem
Que a realidade não corresponda aos sonhos
Não pode dizer-se forte quem nunca foi submetido à fragilidade
Quem nunca escondeu a dor atrás de um sorriso
Tantas vezes retiramos forças da solidão, da escuridão
Outras vezes é do silêncio à beira de um rio
Numa oração, numa caminhada
Nas atividades incansáveis do bem
Noutras nos abastecemos no abraço de alguém querido
Ser forte é buscar no seu entorno ou dentro de si
Motivos para prosseguir
Cada qual encontra seu motivo, sem machucar o outro
Eu o encontro ao estender a mão aos que precisam
Enquanto cuido dos outros
Deus cuida de mim…
É! Posso dizer que sou forte na minha fragilidade…
Tenho um Bom Protetor!
Sou grata!
Alda M S Santos
#carinhologos
VIRA-LATAS
Somos mestiços, oriundos de várias raças
Uma mistura que nos torna SRD
Sem raça definida, carregamos características de vários povos
Ora somos fortes, resistentes e adaptáveis
Pés-duros, confiáveis, amigos
Ora somos frágeis e de baixa autoestima
Acusados de tudo fazer, de virar latas por um pedaço de pão
De nos rebaixarmos para receber um carinho na cabeça
Dependentes da aprovação daqueles que consideramos mais, superiores
Mas carregamos conosco as misturas de uma raça não definida, híbrida
E o que de bom ou ruim isso possa acarretar
Com toda a força, fidelidade, inteligência, confiabilidade e resistência
De quem tudo já enfrentou
E de quem não se entrega assim tão facilmente
Um vira-latas morre lutando, acreditando na vida
Nunca deixando de amar…
Alda M S Santos
A UM ABRAÇO DE DISTÂNCIA
Para que precisamos buscar tantas coisas?
Para que nos desgastamos tanto para adquirir objetos que nem necessitamos
Roupas, carro, casa, passeios
Para quê?
Para que lutamos tanto por pessoas ou situações que não são nossos
Não precisam de nós, não nos querem
Se tudo isso sozinho de nada vale e traz sofrimentos
Para quê?
Se tudo que nos faz bem, nos faz felizes
Se tudo que acalenta nossa alma carente de verdades e simplicidade
Enternece nosso coração, alarga nosso sorriso
Não estiver a um abraço de distância
Ao alcance de nossos braços quentes
Cuidado com carinho em nossa mente e coração?
Alda M S Santos
#carinhologos
CENAS DA CIDADE
Burburinho de gente na estação do metrô
Corre e corre para pegar o ônibus integração
Trem lotado, perfumes misturados, smartphones
Alguns conversam, um casal abraçado, um senhor idoso, de pé, é ignorado
Entra e sai constante a cada estação
Uma multidão atravessa no semáforo aberto
Outros correm entre os carros mesmo
Caminho na larga calçada sem muita pressa
De um lado da avenida o Parque Municipal, árvores, lagos, brinquedos e edificações tombadas
No meio, o Ribeirão Arrudas canalizado, águas sujas
Do outro lado, prédios e mais prédios
Um ambulante vende loterias: “hoje é dia da sorte”
Outros vendem biscoitos, salgados gordurosos, variedades
Outro grita: “moça bonita que sorrir não paga…”
E a gente ri, não da piada antiga, mas da expressão do vendedor
Pessoas apressadas, umas sorriem, dizem bom dia
Outras ainda dormem nos bancos, ao lado de lixeiras
Enroladas em seus cobertores, provavelmente doações
Debaixo de árvores ou nos cantos das ruas
Ruas que são suas casas…
Bens públicos e bens privados usados inadequadamente
Tantos rostos, tantas histórias…
Vontade de perguntar a cada uma delas o que se passa
Mas eu também sigo, também tenho uma história, sou parte da cena da cidade.
Refletindo sobre a vida, entro no hospital, desejo “bom dia”
“Posso ajudar?”- um porteiro solícito pergunta
Quero gritar: “acordem todos”!
Mas falta-me a voz, a coragem
“Onde marco cirurgias”?
“Siga em frente, moça, até o fim”!
Parece profético!
“Pode deixar, seguirei…”- ele sorri
“Obrigada! Bom trabalho”!
“Boa cirurgia, Deus abençoe!”-alguém que não é indiferente.
Da janela do andar lá em cima observo as cenas da cidade…
Como será que somos vistos do Alto, por Ele?
Esse louco formigueiro humano disputando espaço
Atrapalhadamente, vivendo…
Alda M S Santos
DANCA CIRCULAR
Dança Circular é um trabalho antigo e tradicional.
Através de movimentos em roda, em pé ou sentados, libera a energia, canta, interage e se diverte…
Com idosos é ainda mais produtivo, pois os faz resgatar a autoestima, a alegria e o prazer de viver, principalmente em grupo.
Independentemente de saudades ou problemas de saúde.
Foi o que fizemos no Abrigo Frei Otto Ssvp, com Luka Benjamim e #carinhologos
Alda M S Santos
💕❤️😍🙏
PEDRAS…PEDREIRAS…PEDREGULHOS
Pedras no meu caminho, que fazer?
Quando não me importam tanto, pequenas
Colocadas com intuito de me fazer perder tempo
Rotineiras, como um contratempo no trânsito
Não merecem muita atenção, desvio
Pedras no meu caminho, que fazer?
Quando atrapalham a caminhada, perturbam
Incomodam como alguém a fazer pouco de nós
Pego e jogo para longe de mim ou me afasto
Pedras no meu caminho, que fazer?
Quando impedem a passagem, grandes
Preocupantes, pesadas, difíceis de remover
Como um pesadelo reincidente e assustador
Com calma, tento escalar e transpor
Peço ajuda, uma mão amiga a me puxar
Pedras no meu caminho, que fazer?
Gigantescas, intransponíveis, como parte do ambiente
Com lascas cortantes como ingratidão ou abandono
Como uma doença incurável ou a perda de alguém
Sento na pedra, choro, reflito e oro…
Pedras no meu caminho, que fazer?
Penso em todas as vezes em que Ele nos salvou
Me salvou de outros abismos e me devolveu o chão
Agradeço, e a encaro com mais ânimo
Já não parece tão intransponível assim
Afinal, Ele sabe tudo de montanhas, escaladas
Ingratidão, abandono, amor e desamor
Pedras e “Pedros” de todos os tipos
Seres humanos…
Ele sabe de tudo e de todos!
Ele é maior que qualquer pedra, pedreira ou pedregulho!
Alda M S Santos
ESTOQUE BAIXO?
Estender a mão é sempre um risco
É submeter-se à avaliação, é dar a cara a tapas
Ora rotulados de superiores, de “ego enorme”
Ora de inferiores, carentes e de baixa autoestima
Na verdade, estender a mão ao outro é estendê-la a nós mesmos
E nos reconciliarmos com nossas próprias falhas
Nossos vazios e necessidades
Enxergar o que o outro precisa é ter sentido aquela falta em algum momento
É temer evidenciar aquilo num futuro
É abastecer duas almas simultaneamente
Estender a mão oferecendo algo é dúbio
Pode ser doar aquilo que temos sobrando em estoque
Mas também é, por vezes, um modo de receber
Aquilo que estamos necessitados no hoje
Ou não queremos deixar baixar o estoque para o futuro…
Alda M S Santos
#carinhologos
COISINHA BEIJOQUEIRA
-Já vem você né, coisinha?
Ela diz entre a braveza e a surpresa escondida num meio sorriso.
– Oi! Sou eu! Estava com saudades- digo, me aproximando devagar.
-Pode ficar aí. Não chega aqui, não!- diz ajeitando os cabelos.
– Quero ver você de perto. Só conversar. Sabe que te amo, amor da minha vida?
– É? Amor da minha vida?- um sorriso divertido abre as portas e eu chego.
– Como você está?- abraço a idosa e beijo suas bochechas.
Ela sorri, conta suas dores e fantasias, pergunta se fui de carro, pede para levá-la a minha casa.
Tento convencê-la a tomar um banho:
– Pra ficar mais linda, cheirosa!
– Você é a coisinha beijoqueira!
– Sim! Mas só beijo porque te amo! 💕
Ela sorri feliz em meio às suas lamúrias, mas nada de aceitar o banho…
Mas eu a amo assim mesmo!
Quanto sofrimento ela deve ter suportado nessa vida?
Não importa por quanto tempo dure o sorriso, o importante é despertá-lo!
Lá e cá!
Alda M S Santos
DIGAM O QUE QUISEREM, UM CARINHO SEMPRE FAZ BEM…
Digam o que quiserem, um carinho sempre faz bem
Na cadeira de rodas ela agora passa suas horas
Não fala, não anda, dependente dos outros para tudo
Cheguei, me abaixei, fiz “festa” por encontrá-la fora da cama
Beijei seu rosto de pele negra, enrugada, 92 anos, macia
Beijei também suas mãos, uma envolta em faixa para não arrancar as sondas
Falei que senti saudades, que a amava, que Jesus a protegia
Sorriu feliz, olhos úmidos, querendo falar comigo – “ela só quer, só pensa em namorar”,
Fiz muito carinho em seu rosto, relembrando canções que cantávamos
“Ela está feliz, sorrindo, gosta de você, não aceita carinho assim de todos”- diz uma cuidadora
Falei que éramos amigas e que ela já havia me contado do antigo namorado que ficava horas batendo papo com sua mãe
Dizia que ele era um homem branco como eu e muito bonito- sorria, sapeca, enquanto eu relatava os bons tempos dela
Pode parecer muito pouco, mas esse carinho e cuidado faz bem para quem recebe
Mas fico tão emocionada que acredito que faz melhor ainda mais para mim…
Esse alimento da alma é tão necessário quanto o pão do dia a dia que alimenta o corpo
Um carinho sempre faz bem e não tem contraindicações
Digam o que disserem…
Alda M S Santos
TERRENO ABANDONADO
Quem observa um jardim ou um terreno produtivo
Nem sempre imagina o trabalho que tudo aquilo dá
Saber arar a terra, o momento certo de plantar, irrigar, podar
Escolher as mudas certas para áreas de sol ou sombra
Ficar atento às plantas que ocupam todo o espaço e sufocam as demais
Controlar pragas e insetos invasores, nocivos
Irrigar adequadamente, cuidar para não invadir terreno alheio
Saber que as plantas mais danosas crescem com facilidade, se alastram
Flores raras são mais sensíveis e exigem atenção maior
Podemos admirar jardins e saborear frutas, mas não saber muito bem cultivá-los
Com a nossa vida pessoal se dá o mesmo processo
A diferença é que podemos contratar profissionais para hortas, pomares e jardins
Mas não podemos terceirizar o trabalho de escolhas das mudas, poda e cuidado de nossas vidas
Nosso “terreno” interno não se adapta com qualquer muda
Não reage bem à escuridão, luz excessiva ou falta de irrigação
Cada terreno tem características muito individuais que precisam ser respeitadas
Todo jardim florido, roça ou pomar produtivos
Têm sempre um jardineiro, um agricultor, um fazendeiro dedicado e atento…
Um terreno abandonado é igual a uma vida sem “dono”, sem cuidados
Conhecemos de longe, não têm brilho ou beleza
Nasce e cresce o que quer…
Alda M S Santos
PESSOAS E ABISMOS
Na vida há diversos tipos de pessoas
As que nos levam até à beira do abismo e nos abandonam lá
As que nos impedem de pular ou que são a rede a absorver nossa queda
E as que nos impedem de chegar à beira do penhasco…
Qual delas temos sido para os outros?
Pior que ser abandonado na beira do abismo, é abandonar alguém lá…
Alda M S Santos
HÁ ESPERANÇA NA HUMANIDADE
Um mendigo disfarçado de cuidador de veículos
Sujo, descalço, dormindo nos passeios a qualquer hora
Vive do que recebe da caridade dos que transitam por ali
Abandonado, largado, entregue ao mundo?
Mas é um ser humano!
Alcoolizado sempre, não sei se outros entorpecentes também
Sempre me compadeço de sua situação
Vejo-o todos os dias na rua da academia
Já perguntei uma vez se precisava de ajuda quando estava largado na calçada
Hoje vi uma mulher dando banho nele no meio da rua
Jogava água contida em algumas garrafas pet, ensaboava, esfregava
Ele aceitava a ajuda a contragosto, alcoolizado.
Um misto de sentimentos me invadiu
Feliz por alguém ter ajudado, uma mulher se arriscando
Triste por um ser humano precisar desse tipo de ajuda de desconhecidos
Envergonhada por eu mesma não ter tido essa coragem, essa iniciativa!
Orgulhosa dessa mulher que conheço e deu um exemplo de bondade…
O amor precisa ser convertido em ações!
Há esperança na humanidade!
Alda M S Santos
OS OUTROS E NÓS
Quando fazer-se bem passa, necessariamente,
Pelo fazer bem ao outro
Quando encontrar-se passa, obrigatoriamente,
Pelo caminho que atravessa o coração do outro
Quando acender a luz no olhar de alguém
É o modo mais eficaz de refleti-la em nós mesmos
Quando dar colo a quem dele precisa
É um modo de encontrar um ombro para descansar
Quando ser o motivo do sorriso de alguém
Torna-se o lenço capaz de enxugar nossas lágrimas
Quando direcionar nossa vida ao outro
É a maneira mais paradoxal de valorizar nossa própria vida!
Alda M S Santos
#carinhologos
AMORES DA MINHA VIDA
“Que linda, amor da minha vida”!
Assim, arranquei um sorriso da idosa mais rabugentinha do lar dos idosos!
“Amor da minha vida!” – ela repetia e sorria…
Sempre mal- humorada e a espantar quem chegasse perto
Consegui, aos pouquinhos, me aproximar dela
Conversar, trocar umas palavras, fazer uns carinhos…
“Para de me alisar”!
“Não! Eu gosto de fazer carinhos em você”!- e a abraçava e beijava.
“Você fica me gastando”!
Está sempre dizendo que está morta, que foi para o outro lado…
Num lar desses percebemos os vários modos de lidar com a dor e solidão.
Uns são agressivos, outros muito doces e carinhosos
Há ainda aqueles que cobram presença, presentes,
Ou os revoltados com tudo e todos…
Não nos cabe julgar porque estão ali
Sempre conseguimos um modo de chegar até eles!
Nosso propósito é levar amor, carinho, atenção, roupas, alimentos, remédios
O que precisarem e conseguirmos
E um sorriso que recebemos é “pagamento” bastante!
Alda M S Santos
#carinhologos
NEM ME DESPEDI…
E aquela pessoa querida se foi…
Foi chamada para uma vida melhor que essa
Choramos, lamentamos, quase sempre exclamamos:
Sequer pude me despedir!
Gostaríamos mesmo?
Dar um adeus, não um tchau ou um até mais,
Um adeus! Sabendo que não haverá volta.
Um adeus! Até não sei quando ou onde…
Teríamos estrutura?
Momento para o qual nunca estaremos preparados
Não fomos ensinados a abrir mão de quem amamos
A nos afastar de quem queremos por perto
Mesmo sabendo da finitude da vida e das relações.
Melhor mesmo é fazer valer cada segundo dessa vida
Pois ele pode ser um adeus
E a gente nem ter se despedido…
Alda M S Santos
MALDADE OU INFELICIDADE?
As décadas eram muitas, quase dez
E as mãos trabalhavam lentamente numa arte
“Não deu para arrumar isso aqui, mãe”
Um par de olhos úmidos o encarou, questionadora
“Está velho, esgarçado, puído, sabe o que é isso?”
Mais uma vez ela o observou, silenciosa,
Calmamente colando florzinhas na árvore de Natal.
“Está velho, coisa velha a gente joga fora, não compensa arrumar!”
Os olhos dela me encararam com muita tristeza e vergonha
Abaixou a cabeça, resignada e triste, continuando a colar…
Ele, me notando por perto, logo arrematou:
“Claro que é para coisas, não pessoas!”- e foi-se embora
“Depois a gente conversa!”
Mas o estrago já estava feito.
Frase maldosa ou infeliz?
Palavras não foram necessárias para traduzir
O que o olhar dela já havia dito: vergonha e decepção
Estava acostumada àquele tratamento.
O quanto vale nossas vidas?
Haverá mesmo alguém a cuidar de nossos idosos
De nós, quando chegarmos lá,
Com amor e bondade?
Alda M S Santos
COLO(RINDO) A ALMA
Nunca estamos cansados demais, tristes demais
Para alegrar um alguém, um coração carente
Uma alma já vivida e sofrida
Que, ainda assim, se alegra e agradece
E, ao preencher de cores os desenhos,
Enche de cores sua própria alma
Nos mostrando como lidar com a dor, as angústias, a saudade,
As decepções, a tristeza, o abandono, o desamor, o amor
A fé e a esperança com maestria e bondade
Com um sorriso terno no rosto, um abraço quente
E a alegria de uma boa conversa
Sem qualquer intenção de nos dar lições
Acaba dando mais que recebendo: muito amor
Alda M S Santos
#carinhologos
DIAS DIFÍCEIS
Para dias difíceis, pessoas fáceis.
Na falta, fique consigo mesmo!
Ainda que você não seja muito fácil,
É alguém que conhece há mais tempo que se pode lembrar,
Que aturou cada sorriso, cada lágrima, cada dor ou prazer,
Mesmo que não esteja uma boa companhia,
Sempre será alguém com que se pode contar!
Não se abandone!
Alda M S Santos
BOMBA-RELÓGIO
Vida contada, morte anunciada
O que é viver sob uma espada
Na expectativa do fim, e nada temer?
Tantos vivem assim, esperando apenas
Que o relógio chegue a 00:00:00
Se dói, a dor irá embora.
Não temer o fim é sinal que a vida valeu
Ou que de nada vale?
Alívio total!
Alda M S Santos
ABANDONO
Qualquer abandono é compreensível
Até mesmo aceitável com o tempo,
Pais, filhos, amigos, familiares,
Aqueles nos quais mais confiou na vida.
Apenas um abandono não é aceitável nunca,
Sob pena de morte em vida:
O abandono de si mesmo!
Alda M S Santos
PRESA
Ser presa, sentir-se presa
Dos olhos, de uma arma,
De uma situação, de outro ser.
Liberdade restringida, medo, escuro, abandono.
Lutar, brigar, vencer, sentir a proteção divina.
O desafio de toda presa
É não permanecer presa
De medos, pensamentos ou situações,
É continuar a acreditar na vida e no amor.
É seguir o caminho, ainda que pareça nebuloso,
Certamente voltará a brilhar…
Alda M S Santos
NOSSAS VERDADES
Vivo feliz só, sei me virar bem.
Não sou desse grupo, não faço parte, estou aqui por opção, não necessidade ou dependência.
Preciso estudar, sem estudo ninguém é nada.
Estou aqui aguardando só Ele me chamar.
Dizem idosas num asilo.
São mesmo verdades aquelas que acreditamos?
Ou apenas autodefesas?
Quantas delas criamos para nos proteger?
Quantas verdades não resistem ao primeiro aperto?
Quantas verdades nos “protegem” do amor?
Quantas “verdades” mostram-se frágeis num simples bate-papo ou momento de carinho?
Verdades não nos salvam, o amor nos salva!
Alda M S Santos
LIMITAÇÕES?
Mãos que sempre trabalharam
Que sempre amaram
Até há bem pouco tempo,
Hoje pouco conseguem.
Mas não é qualquer AVC que as imobiliza.
Orgulhosas apresentam o trabalho com um lindo sorriso:
“Consigo com a esquerda mesmo,
Com ajuda da moça bonita”!
Viva Dom Sebastian!
Alda M S Santos
#carinhologos
ABANDONADOS
Sensação ruim entrar num lugar onde tudo está coberto,
Fechado, seco, inerte.
Até as cores parecem ter se acinzentado.
Como nos filmes de catástrofes da natureza, cenas apocalípticas.
Impressão que nada restou, sequer oxigênio.
Cheira a tristeza, a cinzas.
Se o lugar for conhecido, íntimo, pior se torna.
Lembranças de momentos de vida, de barulho, agitação, alegria.
Certa vez um amigo definiu assim a depressão,
E eu disse a ele:
Qualquer cor combina com cinza,
Vá colocando uma cor de cada vez, sem pressa, e tudo voltará a se colorir novamente.
Um sorriso, por exemplo, é azul como o céu,
Sorri pra ele. E ele sorriu…
Tudo pode melhorar, basta acreditar, investir e aceitar ajuda.
Alda M S Santos
CANSAÇO
Tudo bem que há pessoas e pessoas, modos diferentes de ser,
Mas, às vezes, cansa…
Ser a pessoa que sempre engata a primeira marcha,
A que gira a chave na fechadura,
Ser a pessoa que abre a porta, escancara as janelas,
A que dispara o saque, que dá o primeiro pontapé,
Aquela que busca, que vai atrás, que se empenha, dedica,
Ser sempre a primeira a dar o bom dia,
Aquela que lança os sorrisos,
Ser aquela que diz “tudo bem”?
Aquela que propõe passeios ou aconchegos,
Ser aquela que inicia uma conversa,
A primeira pessoa que estende a mão, que oferece o abraço.
Sensação de que se fechar a boca, para palavras e sorrisos,
Não abrir portas, deixar a vida no ponto morto,
O mundo pararia à sua volta,
Cheira a descaso, a desvalorização…
A primeira a sempre fazer tudo pode se cansar,
E ser a primeira a chutar o balde!
Alda M S Santos
BANHO
Quero um banho profundo e demorado
De banheira, chuveiro, rio, mar, lago ou cachoeira.
Mas quero um banho que me lave por dentro
Que saiba o que levar e o que deixar
Que saiba o que renovar, hidratar, dar brilho
E deixar um delicioso perfume de gente boa
E de vida nova…
Alda M S Santos
COMO SABER?
Vidas que caminharam juntas, em paralelas, se entrelaçaram.
Como saber significados que deixaram uma para a outra?
Como saber a importância que tiveram entre si?
Basta olhar o que ficou em cada uma delas, o que foi deixado no outro.
Vidas que se tocam, se amam, não se entrelaçam, e se vão, sem deixar sua marca.
Fica um jeito de ser do outro, um sorriso, um carinho, um conselho, uma palavra, uma lembrança…
Algo de pessoas que se amaram ficará sempre impregnado uma na outra, como um perfume suave…
Mas o melhor jeito de saber a importância que tiveram,
É a capacidade de se fazerem presentes, sempre, de alguma forma, principalmente nas adversidades,
Guardadinhas no coração…
Alda M S Santos
MEMÓRIAS
“Fomos Garotas de Copacabana. Viu como eu era bonita? Igual você!”
Ela ajeitava seus lençóis o tempo todo. O espaço que era só seu.
Foto acima da cama, com nome, data de nascimento: 20/09/1930.
Um pequeno armário com o crucifixo pendurado, poucos pertences e fotos, muitas fotos.
Todas espalhadas na cama. Mostrava e contava sua história.
“Minha irmã morreu no Rio. Não tenho mais pra onde ir.”
Toda uma vida, memórias registradas ali em preto e branco, em cores.
Uma Bíblia, um livro do Pe Marcelo, todos inchados de fotos, cartões de aniversário, cartas, envelopes…
“Para marcar onde li e pra Jesus proteger. Jesus protege, sabia? Está com minha irmã! ”
Sim, e conosco também!- respondi.
“O meu coração é só de Jesus. A minha alegria é a Santa Cruz.”
Cantava e me pedia para acompanhar. A companheira ranzinza do quarto reclamou.
“Vamos parar! Ela dá chinelada na gente”.
Fui lentamente até ela. Expulsou-me. Insisti. Devagar. Deixei, voltei.
No final, coloquei a faixa de Miss Guerreira, abracei a ranzinza, beijei suas bochechas, sorriu, ganhei um “obrigada, vai com Deus”!
Deixei-as com suas histórias em papel, poucos objetos e memórias, muitas se apagando.
E fui embora com as minhas.
Farão parte de minha história a partir de hoje.
Alda M S Santos
DORES NA SIMPLICIDADE E NO LUXO
Numa semana, num lar de idosos de classe baixa, na outra, num núcleo luxuoso para a maturidade.
Ambos com idosos colocados ali para serem cuidados, tratados, terem sua dignidade preservada.
Espaços limpos, pequenos e simples de um, destoam dos espaços amplos, muito bem decorados e bem aproveitados de outro.
Idosos em seus melhores trajes para receberem as visitas.
Um banho e roupas simples e ausência de acessórios de um, roupas e calçados finos, colares, brincos, maquiagem, chapéus, penteados, cabelos bem pintados e unhas bem feitas do outro.
No primeiro, poucas atividades além da rotina diária: refeições, banho, TV, pátio, sono, medicamentos.
No segundo, agenda cheia: leituras, músicas, visitas agendadas, apresentações, artes, convidados de todo tipo.
Mulheres interagem mais. Os homens, ou são galanteadores ou ranzinzas, muito calados, ou quase incapazes.
O que há de semelhante além de serem homens e mulheres idosos entre 70 e 100 anos de idade?
São como crianças! Olhos sem muita vivacidade, mas com brilho úmido, carentes de afeto. Todos eles!
Abraçam-nos e agradecem a nossa atenção e dedicação como algo precioso.
Querem ser tocados, ouvidos, compreendidos. Precisam do nosso tempo.
Cantamos músicas da sua época (com nossas vozes maravilhosas), deixamos a vergonha em casa, dançamos, tentamos ignorar os mais rabugentos, trazê-los para nós. Quase sempre conseguimos.
Em ambos, poucas visitas recebem. Alguns, ninguém os procura.
O mais triste é que, mesmo aqueles cercados de gente, de atividades, de “amigos”, de tarefas, falta-lhes algo.
Recebem amor, mas querem aquele amor especial, aquele amor específico, aquele que grudou na alma e dói a ausência.
Como me disse uma idosa sabiamente, eles têm muitas presenças, mas uma ou duas ausências impedem definitivamente a felicidade.
Concordo com uma senhora trovadora, residente do lar, autora de livros de outrora:
“Saudade, com tanto lugar lá fora, porque você insiste em doer aqui dentro?”
Divirto-os, me divirto e agradeço a cada um deles a oportunidade de me tornar uma pessoa melhor.
Alda M S Santos
NUM LAR
A vida inteira num lar
Com pais, irmãos, avós, primos
Companheiros, filhos, sobrinhos…
Ou uma vida dedicada à família dos outros,
Que cresceram, se foram, não precisam mais deles
De repente, não há mais lar, ou familiares, ou amigos…
A solidão é a fiel companheira
E surge um novo lar…
Cuidados, novas pessoas, talvez novas amizades…
Algumas atividades, visitas esporádicas…
Pra que ainda estou vivendo?- alguns se perguntam.
Tenho onde morar, estou aqui porque quero!-dizem outros.
Meu sobrinho quer vir me ver, a mulher dele que não deixa! – afirma outra.
Gosto de vocês aqui, alegram nosso dia!- diz outra sorridente a cantar.
E assim a vida segue…
85, 99, 102 anos de idade.
O que querem? O que esperam?
Algo que o dinheiro não compra:
Atenção, um toque, um carinho, ouvidos, ombros…
Só isso!
Que possamos cuidar de nossos idosos!
Que tenhamos quem cuide de nós quando chegar nossa vez.
A maior pobreza é a falta de carinho.
Alda M S Santos
OUTRO OLHAR
Outro dia li que devemos ver as coisas que não nos agradam sob uma nova perspectiva.
Sempre deveríamos tentar um ângulo novo, outro olhar, uma nova possibilidade.
Tentei aplicar esse “conselho” ao que via naquele momento.
Um ser humano jazia no asfalto, virava e se ajeitava, fazia-o de cama.
Passei, olhei, pensei: “tristeza viver assim, dói na gente”.
Uma avenida perigosa, carros, motos, ônibus e caminhões para todo lado.
Pessoas passavam apressadas, como eu.
Retornei, quis tentar um novo olhar.
Deve ser uma possibilidade para eu fazer algo, pensei.
Bem assim na minha frente! E não é a primeira vez!
Pensei no meu marido a dizer para não me meter, tomar cuidado, que tudo é perigoso!
Cheguei mais perto, devagar. Abaixei-me, chamei, cutuquei.
Ele se virou, se ajeitou, como se estivesse sobre seus travesseiros macios.
Chamei outra vez. Ele abriu os olhos, mas não parecia me ver.
Perguntei se precisava de algo. Claro que precisava!
Mas a gente fica meio impotente, sem saber o que dizer.
Ele riu meio sem entender e tentou se levantar.
Perguntei se queria que o ajudasse a ir para casa, onde morava.
“Por aí! Pode me pagar uma branquinha, branquinha?”
Riu da própria associação e repetia: uma branquinha, branquinha!
Falei: “Pago um prato de comida, te ajudo a ir pra casa, mas pinga não pago.”
“Então, não quero nada, branquinha! Me deixa dormir quieto aqui!”
Resmungando enrolado se ajeitou de novo em sua “cama”.
Segui meu caminho meio inconformada.
Ouvi ainda umas pessoas dizerem: “é bêbado, deixa para lá, moça!”
Mas venci meu medo e tentei ver com outro olhar.
Um dia dá certo! Pra mim e pra eles.
Alda M S Santos
SOMOS RESPONSÁVEIS!
Tinha um homem no meio do caminho
Não um caminho especial,
Ou bonito, arborizado, gramado ou fresquinho
Piso de cimento quente, sob o sol, atrás de veículos,
À vista de todos
Sem ser realmente visto por ninguém!
Não era um ser humano, um alguém
Era um homem qualquer
Jogado num caminho qualquer,
Abandonado por outros seres humanos(?) quaisquer,
Somos responsáveis!
Alda M S Santos
CORAÇÃO PARADOXAL
Coração é sempre paradoxal
Sempre tão grande, tão repleto
Mas capaz de sentir-se tão apertadinho
E com espaço para recrutar ainda mais moradores
Quase sempre forte, a enfrentar batalhas pungentes
Mas sensível, frágil, emotivo
Tão cercado de gente, de emoções,
Mas por um pode sentir-se
abandonado num planeta vazio
Tão iluminado, alegre, brilhante, seguro
Mas pode ser esmagado pela escuridão de alguns medos
Pode parecer irreal, irracional, duvidoso, invisível
Mas é real como a eletricidade ou a brisa suave
Que podem apenas ser sentidas.
Nessa vida de emoções enviesadas
Paradoxalmente, o coração sobrevive.
Alda M S Santos